No Dia da Mulher, a história de Judith Leão reforça a luta por espaço na política

Texto de: Kátia Sausen da Motta e Letícia Franco do Nascimento.

Nos 190 anos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, a trajetória de Judith Leão Castello Ribeiro ressurge como símbolo de luta e pioneirismo feminino na política. Eleita em 1947 como a primeira deputada estadual do estado, Judith enfrentou desafios em um ambiente dominado por homens, deixando um legado marcante na defesa dos direitos das mulheres, da educação e da saúde pública. Sua atuação reflete a importância da representatividade feminina e inspira novas gerações a ocuparem espaços de poder.

A trajetória de Judith Leão Castello Ribeiro configura-se marco fundamental na história política do Espírito Santo, evidenciando pioneirismo e resiliência em um cenário político predominantemente masculino. Em 1947, ela alcançou feito inédito ao ser eleita a primeira mulher deputada estadual, representando o Partido Social Democrático (PSD). Sua eleição não apenas inaugurou a participação feminina na política capixaba, mas também a inseriu ativamente nos debates e decisões da Assembleia Constituinte estadual. A relevância de sua atuação é ainda mais notável por seus três mandatos consecutivos, estendendo sua influência política até 1963.

Judith Leão Castelo Ribeiro recebendo a Comenda Jerônimo Monteiro, colocada pelo Governador Élcio Álvares

A inserção de Judith no ambiente político da década de 1940 representou um desafio considerável, dada a sua configuração majoritariamente masculina. Como a única deputada entre 31 homens, enfrentou resistências e a necessidade constante de afirmar sua voz no plenário legislativo. Episódios como o embate com o Deputado Eurico de Rezende em 1948, durante a discussão sobre informações relativas a um benefício estadual para professoras rurais, ilustram a postura firme que ela precisou adotar para garantir seu direito à fala. Na ocasião, Judith pediu a palavra para destacar a importância do assunto e da necessidade do seu cumprimento. Foi interrompida quatro vezes e precisou elevar o tom, solicitando, inclusive, ao presidente da casa a garantia da sua palavra: “apenas desejo continuar meu pensamento e depois estarei pronta a ouvir o ilustre colega, que sempre elucida as questões aqui levantadas, nem sempre com muita felicidade como ainda ontem, quando interrompeu meu aparte”.

Outro evento significativo, ocorrido em 1952, quando um debate parlamentar desviou o foco para seu vestuário, demonstra as tentativas de deslegitimar sua atuação política por meio de questões superficiais e estereotipadas, um desafio persistente que as mulheres enfrentavam (e ainda enfrentam) nos espaços de poder. Naquela sessão, um deputado mencionou seu vestido usado no Festival de Inverno de Vitória. Indignada com a falta de decoro, Judith subiu à tribuna, protestou contra a observação e deixou o plenário. O incidente repercutiu na imprensa carioca sob a manchete “O vestido misterioso”, que retratou o caso de maneira desrespeitosa cobrando explicações da deputada sobre sua vestimenta, também desviando o foco de seu papel como parlamentar.

Primeira mulher a receber a Comenda Jerônimo Monteiro- Judith Leão Castelo Ribeiro ao lado dos demais homenageados.

A atuação da capixaba como legisladora foi profícua e abrangente. Durante seus mandatos na Assembleia Legislativa do Espírito Santo, foi responsável pela autoria de 49 leis e participou ativamente de diversas comissões que abordavam temas cruciais para o desenvolvimento do estado, como saúde, educação, cultura e justiça.

Entre suas iniciativas legislativas, destaca-se a Lei nº 815 de 1954, que instituiu a licença-maternidade de quatro meses para funcionárias públicas e docentes não efetivadas. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), de 1943, previa direito a licença de apenas três meses. A medida pioneira representa, portanto, um avanço significativo nos direitos trabalhistas femininos, antecipando uma conquista que posteriormente seria incorporada à legislação nacional. Sua dedicação à saúde pública também se manifestou na Lei Ordinária nº 879/1955, que destinou verba para a aquisição de selos alusivos à “Semana do Combate à Lepra”, visando o apoio aos filhos de hansenianos.

A relevância da deputada transcende sua atuação estritamente política. Sua dedicação à educação, iniciada em 1930 na Escola Normal Pedro II, onde implementou inovações pedagógicas como a fundação do Museu Pedagógico e a criação de um jornal escolar e um bureau de correspondências, demonstra seu compromisso com o desenvolvimento social e intelectual da sociedade capixaba.

Ademais, sua atuação no âmbito cultural, apesar da rejeição inicial pela Academia Espírito-Santense de Letras em 1949 devido ao seu gênero, culminou com a fundação da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras. Sua posterior eleição para a Academia Espírito-Santense de Letras em 1981, tornando-se a primeira mulher a ocupar uma cadeira, e seu ingresso no Instituto Histórico Geográfico do Estado do Espírito Santo no mesmo ano, reforçam sua importância como intelectual no estado. A fundação da Associação Feminina de Educação e Combate ao Câncer (Afecc) em 1952 também atesta seu compromisso com o bem-estar social e a saúde pública.

Exposição sobre os 120 anos de história de Judith Leão Castello Ribeiro na Assembleia Legislativa em 15.05.2019

Em suma, a trajetória de Judith é um testemunho de pioneirismo em terras capixabas. Sua eleição como a primeira deputada estadual, sua atuação legislativa em prol de direitos sociais e da saúde pública, sua contribuição para a educação e a cultura e sua resistência consolidam sua relevância histórica e política. Ao longo dos 190 anos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, apenas 17 mulheres conseguiram ocupar uma cadeira parlamentar, evidenciando que ainda há desafios a serem superados. No entanto, cada conquista inédita de figuras como Judith fortalece a presença feminina nos espaços de poder, ampliando as perspectivas para futuras gerações de líderes femininas no Brasil.

Ao longo dos 190 anos da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, apenas 17 mulheres conseguiram ocupar uma cadeira parlamentar, evidenciando que ainda há desafios a serem superados. No entanto, cada conquista inédita de figuras como Judith fortalece a presença feminina nos espaços de poder, ampliando as perspectivas para futuras gerações de líderes femininas no Brasil.

Texto por: Kátia Sausen de Motta e Letícia Franco do Nascimento